sábado, 2 de fevereiro de 2008

QUARESMA 2008 (mensagem do Bispo da Diocese do Porto)


Sejamos mais livres, na única liberdade do bem!


Estimados diocesanos

Tomemos a Quaresma como ela nos é oferecida. Oferecida pela Igreja, na Palavra escolhida para a Liturgia dominical e ferial, tão bem escalonada para conduzir os catecúmenos e reconduzir os fiéis à celebração pascal. Oferecida no mais insistente convite à conversão e à penitência, em geral e sacramentalmente activadas. Oferecida também nas manifestações para-litúrgicas e da piedade cristã, próprias deste tempo e tão sugestivas, com relevo para a Via-Sacra.

Seja a Quaresma um tempo mais atento ao nosso Deus, que muito nos dirá no “deserto” que fizermos, mesmo por entre as ocupações do dia a dia. Exactamente para que a vida não fique árida e desgastante, aproveitemos a Quaresma para escolher Deus como fonte e a oração como alento.

Acompanhemos Jesus, que nos acompanhou a nós, ensinando-nos a escolher o Pai e a sua vontade, mais do que a qualquer outro apego. Foi as nossas tentações que Ele venceu, do materialismo às aparências e à sede de poder. Seleccionemos mesmo o que concretamente nos impede agora, como pessoas e comunidades, de estar mais com Cristo no Pai, com a vida na fonte, com o coração em Deus: esse mesmo exame de consciência nos indicará o mal e a cura!

Nisto nos ajudará o jejum. Um jejum que nos faça mais frugais e sóbrios, para fortalecermos a nossa liberdade, na suficiência do essencial. Na verdade, só nos convencemos do que exercitamos e só seremos livres quando nos resumirmos ao necessário. Quando “escolhermos a melhor parte” e quando “procurarmos antes de mais o reino e a sua justiça”. Aliás, só assim virá também o “acréscimo”.

Rezemos e jejuemos então, dando mais atenção a Deus e menos lugar aos consumos. Com isto seremos decerto mais caridosos, porque a caridade só cresce em corações disponíveis. Disponíveis para Deus e para os outros, libertos pelo e para o amor mais autêntico. Pascais, em suma, como o seremos no final deste tempo litúrgico, feito existencial e realista. Sejamos mesmo exemplares e proféticos, não desperdiçando as coisas nem esgotando os recursos: isso mesmo definirá o nosso exercício quaresmal.

É tão simples verificá-lo, no exemplo de Jesus. Sem nada de farisaico ou petulante, deu todo o tempo ao Pai e toda a disponibilidade aos outros. Sabia conviver e festejar, mas o coração estava-lhe seguro e sereno n’Um só e num único modo de ser para todos. O Espírito o ungia a Ele, o Espírito nos conduzirá a nós, nesta Quaresma de 2008. É exactamente para isso que ela nos é oferecida. Para nos oferecermos com ela, ao serviço de Deus e do próximo. Com mais silêncio, ganharemos na escuta, acolhendo a Palavra que nos fará seu eco. Do que partilharmos ganharemos todos, pois “há maior felicidade em dar do que em receber”.

Ouvidos os Vigários da nossa Diocese, proponho-vos uma renúncia pecuniária, que permita a constituição dum Fundo Social Diocesano. São vários os pedidos que me chegam para apoiar esta ou aquela acção sócio-caritativa, com relevo para tudo quanto defenda e promova a vida, da concepção à morte natural. Sabendo que, em todo o arco da existência humana, há muita dignidade a defender em todos e cada um, quando não faltam infelizmente graves obstáculos a ela: das dificuldades persistentes em constituir e manter a vida familiar ou uma velhice acompanhada, às carências graves de subsistência ou realização profissional, aos problemas de integração social e económica de muitos emigrantes, aos tráficos inomináveis de droga e prostituição… Com o resultado da nossa renúncia quaresmal, caríssimos diocesanos, poderemos colaborar melhor com todas as iniciativas válidas, eclesiais ou outras, que visem debelar tais males. É o que vos proponho agora, garantindo que vos darei conta dos contributos recebidos e do destino que tiverem. Podereis entregar as vossas ofertas pecuniárias aos vossos párocos ou directamente à Diocese, até à próxima Páscoa.

Com tudo isto a celebraremos certamente mais, ou seja, mais incluída na oferta que Cristo faz de si mesmo ao Pai; mais solidários, como oferta que o Pai faz de todos nós, em Cristo, para a salvação do mundo, a começar pelo mais próximo de cada um; e mais imersos na caridade universal do Espírito. Mais livres, em suma, na única liberdade do bem! Convosco, sempre,
+ Manuel Clemente, Bispo do Porto
(Quarta Feira de Cinzas, 6 de Fevereiro de 2008)